segunda-feira, 16 de julho de 2012

PF aponta superfaturamento na obra da ferrovia Norte-Sul


Publicado na Folha de S.Paulo




Vinte e cinco anos atrás, uma concorrência de cartas marcadas tornou a ferrovia Norte-Sul um ícone da malversação de negócios públicos no governo José Sarney.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reabilitou a obra, mas uma investigação da Polícia Federal mostra que pouco mudou desde então.

Laudos periciais obtidos pela Folha apontam indícios de que houve conluio entre as construtoras encarregadas da obra, cobrança de propina e um sobrepreço de mais de R$ 100 milhões no trecho da ferrovia que cruza Goiás.

Os documentos ajudam a entender o que levou o ex-presidente da estatal responsável pela ferrovia, a Valec, a ser preso no dia 5 de julho.

Acusado de enriquecimento ilícito, José Francisco das Neves, o Juquinha, foi solto na última semana, após a Justiça avaliar que ele não oferece risco para a investigação.
Na noite de anteontem, a 11ª Vara Federal de Goiânia decidiu sequestrar bens da família dele --inclusive os comprados antes de supostos desvios na Norte-Sul e adquiridos de forma legal.
O dinheiro pode ser usado para ressarcir os cofres públicos --para o Ministério Público Federal, seria a primeira decisão com base na nova lei sobre lavagem de dinheiro.
Os peritos da PF analisaram o trecho da Norte-Sul entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), contratado por R$ 622 milhões. Comparando os preços das construtoras e os do mercado, acharam diferença superior a R$ 100 milhões.

No lote 2, um trecho de 52 km entre Ouro Verde de Goiás e Pátio de Jaraguá, a polícia encontrou sobrepreço de R$ 25,5 milhões --20%.
A concorrência foi vencida pela Camargo Corrêa, mas a empreiteira deixou a obra. Ela foi entregue à Constran em 2009, mas o contrato venceu e a obra está parada.
No lote 3, com 71 km entre Pátio de Jaraguá e Pátio de Santa Isabel, a PF apontou sobrepreço de R$ 22 milhões, ou 13,5%. A obra foi concluída pela Andrade Gutierrez.
Nos 105 km entre Pátio de Santa Isabel e Pátio de Uruaçu, o lote 4, o sobrepreço apontado foi de R$ 48,5 milhões --ou 25% a mais. A Constran também abandonou o lote, entregue em 2009 à SPA Engenharia. O contrato venceu, e a obra parou.

Lançada em 1986, a Norte-Sul foi interrompida depois que a Folha apontou fraude na concorrência da obra. Uma nova licitação foi feita em 2004, no governo Lula.
Orçada em R$ 6 bilhões e dividida em vários contratos, a obra só prossegue porque as empresas aceitaram construir sem receber todo o valor contratado (parte é retida enquanto se discute o preço).
A PF reuniu indícios de que parte do dinheiro foi desviada para pagar propina.
A polícia considera revelador um diálogo telefônico gravado em outubro de 2011, entre o advogado de Juquinha e um ex-diretor da Valec, Luiz Carlos Machado de Oliveira.

O advogado pergunta a Oliveira se ele conversou "com a Galvão sobre aquele assunto", ouvindo como resposta: "Conversei. Eles dizem que vão acertar na semana que vem, assim que receberem".
Dez dias depois, a Queiroz Galvão recebeu R$ 4 milhões da Valec por conta de um túnel na Norte-Sul. Para a polícia, há suspeita de propina.
A investigação aponta sobrepreço de R$ 5 milhões no lote da Queiroz Galvão (de Anápolis a Campo Limpo).
Para a PF, um dos motivos para o superfaturamento foi o conluio entre as empresas. Laudo observa que 17 empreiteiras se interessaram, mas só 7 ficaram na disputa, exatamente o número de lotes.

OUTRO LADO

A Valec, estatal responsável pela ferrovia Norte-Sul, disse que pretende renegociar os contratos com as empresas nos casos em que for comprovado o sobrepreço. Se não for possível, a empresa diz que recorrerá à Justiça.
O advogado Heli Dourado, que representa o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, disse que a Polícia Federal usou "premissas erradas" ao analisar os preços cobrados nos lotes da obra.
Dourado nega que estivesse discutindo propina na conversa com o ex-diretor da Valec Luiz Carlos Machado gravada pela PF. O advogado diz que apenas pedira ajuda para cobrar da construtora Queiroz Galvão um pagamento por serviços que prestara.
"Eu não estava conseguindo falar com o diretor da Queiroz Galvão e sabia que eles iam lá acertar coisas. Por isso, pedi para ele falar para a pessoa me pagar", disse. Machado confirmou a versão.
A Queiroz Galvão não fez comentários, argumentando que desconhece a investigação da PF. A Andrade Gutierrez, responsável pelo lote 3, limitou-se a dizer que as obras foram concluídas sem que a Valec fizesse ressalvas.
A Camargo Corrêa, responsável pelo lote 2 até 2009, afirmou que "não procedem as acusações de sobrepreço". A Constran, que abandonou o lote 4, informou que a Valec convocou outra empresa para concluir as obras.

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